terça-feira, 8 de junho de 2010

Dis.so.ci.a.ção

Invejo teu semblante tranquilo enquanto dormes em minha cama. E eu sigo tentando abafar os meus pensamentos ouvindo músicas de domingo à tarde, e tomando um chá quente para adocicar os lábios. A minha boca, porém, insiste em filar a amarga lembrança da última noite.

Uma chaga a me desatinar de maneira tal, que nem mesmo o torpor de uma embriaguês era capaz de anestesiá-la. Antes, apodera-se de minha fragilidade, e com apenas um golpe me arranca impetuosamente do meu eu, me fazendo tropeçar sobre a minha própria cabeça.

Eu queria fugir desesperadamente. E na partida precipitada, pisoteei a carne que já se achava magoada. O rosto, tomado de uma crua impassividade, ignorou impiedosamente a pele que outrora lhe servira de adorno. E os olhos, borrados em tons de púrpura, furtaram a acuidade que restava à razão.

Agora, ao conseguir unir os meus fragmentos de lucidez, logo me vejo com a carapuça atada. E tardiamente percebo que flagelar o sofrimento, é açoitar o meu próprio corpo. Uma visão que mui penosa é ao olhar, e me traz um aperto mais forte do que a dor visceral.


4 comentários:

  1. já li o texto umas cinco vezes. pensei em várias coisas. já redigi um comentário enorme, mas guardei na memória. adoro seus textos, but can't help a aflição que me dá. mesmo sabendo que talvez seja apenas seu "eu-lírico". Mas ao mesmo tempo fico feliz. A tristeza é um forte indício de sensibilidade, interesse e humanidade. e eu admiro isso tudo em você.
    Continue escrevendo, rapha. beijo grande ;*

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  2. Ler a esse texto foi como "nadar no infinito", uma infinidade de pensamentos que se ilustram na mente enquanto meus olhos percorrem as suas belas palavras.
    Muito bom!

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  3. Gostei do modo como descreveu 'dor/sofrimento'.
    E, concordando com os comentários acima, tantos pensamentos passaram pela minha mente.
    Acho que acontece sempre que leio seus textos; há neles uma fresta para que coloquemos nele o nosso pensar!

    Beijobeijo =*

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  4. As grandes pessoas que conheço ou conheci eram dos sofredores os maiores, Caldeira.

    Estive conversando com a professora da minha monitoria, a Vilma, sobre a depressão que me assola e ela disse que, assim como a mim, luta contra esta praga desde sempre, chaga que não cicatriza pelo efeito cortisólico do ato de pensar. E que, assim como eu, ela credita e acredita mais nos eternos sofredores, porque estes conseguem ver mais, mais longe, além das brumas que cobrem nossos olhos como uma cortina de fumaça alucinógena... Alucinação de que o mundo (e as pessoas!) é bom e justo.

    Justos somos nós, sofredores. Justos conosco, inclusive.

    PS: Seu texto está denso como a névoa da utopia, mas claro como minha pele sob a luz solar àqueles que tem olhos que veem.

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