sábado, 19 de setembro de 2009

Seleção Natural

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...........Ainda que a abóbada celeste estivesse encoberta por um manto nublado e a expressão do dia em sua plenitude fosse abafada, eu sentiria o mesmo alívio no qual meus pensamentos se deleitam neste momento. No entanto, hoje o firmamento fez questão de romper-se em azul turquesa. E essa manhã que contemplo revela em mim a grandiosidade que há em estar vivo. Toda e qualquer esperança de aqui retornar já havia se esvaído, liquefeita em meu suor frio, saciando a sede voraz do caos que me envolvera. Ontem certamente seria a minha última noite. Era a inevitável chegada ao fim da linha, e o raiar da luz no fim do túnel surgiria tarde demais. Mas aqui estou eu, admirado pelo fato de ainda poder tragar o ar e sentir que minha pele conserva o seu calor. Eu sobrevivi. E não foi pelo mérito da coragem de um grande guerreiro. Antes, o receio de ficar eternamente aprisionado nas trevas foi o que me susteve. Toda aquela aplaudida bravura emergiu na mesma proporção em que meu pavor crescia. Fui honrado simplesmente por servir de canal ao instinto. Não houve tempo para a razão premeditar ação alguma. Tudo ocorreu meramente por um reflexo. O terror despertou em mim um outro eu numa fração de instante e a covardia se tornou em destemor pela força do medo. Parece um grande paradoxo, mas não é. Apenas reconheço que meu corpo agiu guiado por algo muito maior do que meus limites poderiam conter. Fui apenas um instrumento para os incontestáveis desígnios da vida. Eu e a minha natureza lutamos e juntos triunfamos. Se devo ser reconhecido por este ato, não sei. Mas o pulsar de minhas veias foi a maior recompensa que eu pude conquistar.






sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Moldura

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Canção de outrora
Nascida em louvor.
Me lanças agora
As juras de amor.

A cor apagada
Rabisca na tela,
Vagueia borrada
Em fogo e trégua.

Na voz do calado
Renasce o traço.
A obra e o quadro
Cantando refaço.

Assopra a sujeira.
A foto na estante,
Sem pó e poeira,
É a mesma de antes.
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