terça-feira, 4 de agosto de 2009

O Buraco

.
.......Surgiu um buraco bem no meio do meu quintal. É um rombo que, de tão feio, se enxerga até mesmo depois de fechar os olhos. Tão expressivo é, que seria demasiada cara de pau dizer que meus olhos já não tenham andado por lá. E a imagem fica cravada na retina. Não sei se o abalo fora provocado por casualidade da natureza ou por algum mal intencionado que tenha se empenhado em me preparar uma tocaia. Esse alguém eu desconheço. Pode ter sido qualquer um que por aqui tenha passado, ou até mesmo eu, desvairado, merguhado em meus devaneios.
.......Sentenciar um culpado é o que menos deveria me importar agora. A fenda é ameaçadora, e tratar de recompor o assoalho é bem mais urgente do que encontrar o causador de tamanha inquietude. Será mesmo? E se depois de todo um dia de labor, amanhã tudo voltar ao estado em que hoje se encontra? Valeria a pena me arriscar a ver todo meu esforço sucumbir uma outra vez? Por onde começaria então? Como poderia eu sair à caça por um fulano, se nem sei por onde pairava minha cabeça durante a noite passada?
.......Enquanto não encontro o motivo, é melhor disfarçar esse perigo em forma de horror. Qualquer um cabeça de vento feito eu pode só se dar conta da queda quando sentir um osso se arrebentar por dentro das pernas. Então não adiantaria apenas maquiar. Assim, seria ainda maior a chance de algum desavisado se acidentar. É hora de eu encurtar as mangas e por mãos à obra antes que alguém se espatife. Aí sim, teria eu certeza de ser culpado por alguma coisa. Não teria mais nenhuma transversal para me desviar dos fatos. A dura verdade: a armadilha mais penosa é do que qualquer trabalho braçal do qual venho tentando a todo custo adiar. Já é tempo de agir. Não quero carregar comigo o jugo do remorso.
.......Ferramentas à mão. Mas ainda não sei com o que preencher o vazio. Além de cavar o meu chão, o maldito levou consigo a terra que ao piso servia de sustento. É perturbador o fato da superfície que outrora me susteve ter se tornado em algo diametralmente oposto: Uma verdadeira cilada. Tudo num abrir e fechar de olhos. Entre um tic e um tac. Ou terá sido durante o lento e contínuo trabalho em que as formigas levam toda uma estação para terminar?