terça-feira, 27 de outubro de 2009

Raposa

.
.....Estava no meu canto, sentado, e o pensamento dançando, voando no nada. E eis que soou um regougar que arranhou meus sentidos e sem um pingo de dó o meu doce silêncio esbanjava deleite em abocanhar.
.....Não reparei por qual brecha entrou e nem poderia imaginar que o alimento um dia ofertado tornar-se-ia em tamanha ingratidão. Uma avidez que de mim roubou a temperança que nos tempos de calma eu aqui cultivara.
.....Uma fome plantada desde a última vez em que invadira o celeiro e de minha alegria se fartara até vomitá-la em forma de fel, dispersando um azedume que apagara da mirra o perfume que enchia a casa.
.....Sua acidez ofuscou os sorrisos e corroeu os meus ouvidos. Perdida no compasso, uma surdez encobriu dos acordes as notas e a rouca voz intimidada silenciou.
.....Depois de satisfeita, fugiu em debandada, pisoteando os campos e destruindo os rebentos com a sua face mais crua. Mas amanhã certamente se derramará a chuva que brotará o renovo da terra para que mais uma vez os campos tornem a frutificar.
.

.
.